A idade quase sempre traz experiência, sabedoria e tranquilidade. Mas pode trazer também a teimosia, saudosismo e impaciência. Tudo depende de como se encara a vida. Depois de assistir as baterias de Kelly Slater nos Round 4 e 5 do Fiji Pro fiquei com a sensação de que o freak americano parece sofrer das partes negativas do envelhecimento, ao menos em sua vida profissional.
É notório que com a idade, o corpo vai mudando, os músculos murchando e a elasticidade diminuindo. Com Kelly, isso não é tão visível já que seu corpo sempre foi acima da média em relação a nós. Tudo devido a sua disciplina, tanto na alimentação quanto na preparação física. Só que aos 43 anos, a distância entre ele e a nova geração ficou apertada, se ainda existe. Slater tem 54 vitórias no WCT, quase o dobro do segundo da lista, Tom Curren, com 33. Só que não vence um evento desde de dezembro de 2013, quando conquistou o Pipe Masters em cima da John John Florence. São 18 meses de jejum que certamente estão gerando agonia e ansiedade.
Há muitos anos, Kelly tem sido um dos surfistas que mais apostam em inovações nas pranchas de surf. E isso foi um dos fatores que aumentou seu domínio no esporte. Só que nos últimos três anos, vem testando, nos próprios eventos, pranchas largas demais e algumas até esquisitas, coisa que deveria fazer apenas nos treinos. Acabou perdendo pressão em suas manobras, que ficaram bem abaixo do que se espera de um mito. Em Bell´s, mudou. Resolveu voltar a usar o modelo Semipro que All Merrick criou especialmente para ele e que foi um dos motivos de seu último título mundial. Seu surf esteve ótimo. Muita velocidade, fluidez e a conhecida pressão estavam de volta. Perdeu no Round 5 do Rip Curl Pro porque foi ansioso e Gabriel Medina, o adversário, sempre guerreiro, não entregou os pontos numa bateria quase perdida. Slater saiu da água sorrindo, esperou o resultado mas quando ouviu sua derrota, cumprimentou Gabriel por educação e saiu com cara de poucos amigos. Ele sabia que tinha perdido para si.
Kelly Slater não foi seletivo na escolha de ondas contra Italo Ferreira. Foto: WSL/Kirstin
Em Margaret River novamente voou baixo. Tanto no Main Break como nas cracas de The Box. Perdeu para Adriano de Souza como favorito, muito porque o brazuca estava inspiradíssimo e também porque tomou um caldo animal que o deixou zonzo perdendo 10 minutos para retornar ao outside. Coisas de campeonato mas um resultado normal, ainda mais para quem o vem derrotando sistematicamente. No Brasil, outra derrota inesperada para Matt Banting, onde surfou muito mal e veio com a desculpa de que não tinha passado bem na noite anterior. Pode até ser, mas o que pareceu foi que ele definitivamente não estava a vontade nas ondas ruins do Postinho. Banting, um bom surfista, nem se esforçou muito.
Só que o auge de sua recente onda de fracassos foi em Fiji. Já iniciou o evento surfando com uma prancha que parecia uma privada do shaper aussie Greg Webber. O mar tava meio xoxo mas tinham algumas ondas boas. Foi péssimo sendo detonado por Alejo Muniz. Na repescagem, retornou com a Semipro e deu um show com tubos impossíveis completados. No Round 3 continuou com sua rotina e aplicou uma kombi em Fred Patacchia, sempre perigoso nos tubos. Foi aí que a teimosia começou a imperar, contribuindo para a perda de confiança, fato que vem assombrando o mito. Contra Julian Wilson e Taj, no Round 4 onde ninguém é eliminado, assistiu de camarote o que a nova geração pode fazer em seu reduto. Com Julian entubando e manobrando como mestre e Taj visivelmente mais a vontade nas morras de 8 a 10 pés, Slater não achou a resposta para virar o resultado. A derrota “humilhante” por 19,43 a 14,34 para Wilson o tirou do sério. Ao sair da água, perguntou para seu ex-técnico o motivo do sacode e pareceu não gostar muito do que ouviu e talvez discordando, resolveu seguir sua tática. Não deu certo. A prova foi outra derrota, na fase seguinte, eliminatória, para o potiguar Ítalo Ferreira na pior bateria do Round 5, onde a maior nota de confronto foi um 5,5 do brasileiro. Tudo bem, o mar estava difícil porém uma bateria antes Jeremy Flores deu show e uma depois Taj Burrow não teve problemas para superar Dane Reynolds, ambos com atuações pra lá de decentes.
Era esperado que o novato Ítalo não fizesse grande coisa (no dia seguinte, com as condições clean, porém ainda grande, Ferreira fez uma excelente bateria contra Julian Wilson). O brasileiro não tem praticamente nenhuma experiência em condições daquelas mas foi muito inteligente, escolhendo ondas mais lisas, fazendo o feijão com arroz e não se sentindo pressionado pela reputação de seu oponente no pico. O freak, ao contrário, surfou com uma prancha pequena demais, basicamente não escolheu onda alguma e tentou entubar em praticamente tudo que apareceu. A forma descontrolada e grommet com que Kelly competiu foi uma repetição de erros impensáveis e improváveis. Perder para Michel Bourez em 2014 nas ondas de 4 pés de Cloudbreak não foi tão ruim, mas ser derrotado em ondas com tubos largos para um surfista sem a menor experiência ficou mal. Para mim, estes erros só podem ser explicados pelo medo de perder para Ítalo. Achei que ele foi teimoso e quis talvez detonar o brasileiro, que o havia vencido em março na Gold Coast australiana. Sinceramente senti que faltou humildade para o careca. Se tivesse feito o “seu” feijão com arroz, teria vencido até com facilidade. Slater é um surfista que se sente confiante demais, mas precisa começar uma bateria com notas altas. Quando isso acontece, vence 95% das vezes. Quando tem que correr atrás do prejuízo, já não tem o mesmo gás. E mesmo com 35 minutos para achar duas ondas que somassem 10,98 (a média de Ferreira foi 10,97 – 5,5 e 5,47), o máximo que conseguiu foi 4,17 e 3,17. Ele explicou depois que se posicionou mal. Bem, isso não explica o resto das vaciladas.
Kelly conquistou seu último título mundial em 2011, vencendo em Teahupoo gigante com facilidade e na manha em Snapper e Trestles, quando teve que usar sua enorme capacidade competitiva para vencer Taj e Owen Wright respectivamente em ondas pequenas e médias. Ou seja, venceu onde sempre é favorito e também em situações em que teve que se reinventar. E mesmo com todos estes problemas que citei acima, ainda disputou palmo a palmo o caneco com Parko, Fanning e Medina. Isso não está acontecendo mais. Muita gente o está aposentando. Creio que estas derrotas apenas o estão deixando mais irritado e frustrado. Esta obsessão em ser novamente campeão mundial, acho que para terminar seu ciclo com chave de ouro, é o que está lhe atrapalhando. É horrível ver a decadência tão de perto, sem poder fazer nada para impedi-la. Isso é o curso natural de todos os seres vivos. Saber levar na esportiva e curtir os últimos momentos ajudam a relaxar. Slater passou uma carreira achando motivos para vencer. Seu espírito competitivo supriu seus defeitos e angústias. Mas está chegando a hora, talvez não de desistir, mas de aproveitar. Curtir a molecada, seus rivais e os holofotes. Pois quando chegar a hora, ele poderá olhar pra trás e pensar: “Cara, como foi bom isso!”. Sem arrependimentos, apenas a sensação do dever cumprido, como pessoa e mito do esporte.
As melhores performaces de Kelly Slater tem sido com a prancha Semi Pro. Foto: WSL/ Kirstin