Já rolavam uns boatos, mas a notícia em primeira mão foi dada pelo Marcelo (Andrade), aqui no Surf 100 Comentários. Depois de 32 anos e alguns meses, a FLUIR deixará de circular.
Sou da geração que viu a Visual Esportivo nascer, para tomar o lugar da Brasil Surf. E que viu a versão paulista da Visual, a FLUIR, engolir a carioca por ter uma gestão mais profissional.
Comprei a edição número 1 da Fluir, que era fina, mal feita, com muitas fotos em P&B, porém tinha algo de novo. Sua evolução foi rápida e já na sexta edição, veio potente com excelentes matérias. Na verdade, não sei se eram tão boas, mas certamente, para quem tinha pouca idade, era uma miragem em meio a um deserto de informações sobre o surf no Brasil.
Passaram-se anos, e a gestão mais profissional mostrou-se não tão profissional, meio que quebrando e sendo vendida para um conhecido empresário do ramo editorial, Ângelo Rossi, que tinha criado a Editora Azul, que algum tempo depois se tornaria um braço da Editora Abril, maior grupo editorial da América do Sul durante décadas.
Numa empresa de porte, com pessoas mais acostumadas a um padrão de excelência, a FLUIR teve uma evolução, embora ficasse meio “quadrada” em termos editoriais. Diria que tecnicamente evoluiu mas editorialmente ficou careta.
Uma vez na Abril, a revista ficou ainda mais industrial, mas com a direção de Felipe Zobaran, manteve um linha bacana e informativa, com conteúdo próprio mas limitada a um projeto gráfico da casa.
Diria que a grande virada da revista foi em 1999, quando Rossi, um dos fundadores da Abril, resolveu criar outra editora, a Peixes, e levou a FLUIR, perdida entre tantos títulos na gigante editora paulista, começando um portfolio jovem e interessante. A sede na Rua Helena, no Itaim, foi crescendo e logo o 4o andar se tornou pequeno. Mais 3 andares do prédio foram ocupados e 10 selos criaram a 5a maior editora do país.
Sob gestão de Adrian Kojin, um eterno freesurfer de alma e excepcional jornalista, a FLUIR foi criando asas e entrando numa metamorfose que viria a ser referência no mercado jovem brasileiro.
Entrei no time em 2000, ocupando o cargo de editor. Foi um desafio para mim sair da tranquilidade de morar em frente a praia e surfar todo dia e encarar um ap em Campo Belo, ao lado do meu amigo Felipe Silveira, hoje CEO da Rip Curl. Dividimos o aluguel durante 3 anos, onde as discussões e bate papos foram importantes na minha maturação na relação editor X marca de surf.
Felipe é um mestre do marketing e suas dicas me deram muitas idéias para consolidar a marca FLUIR fora do mercado especializado. Queríamos ser mais do que uma simples revista de surf. Queríamos ser a melhor revista jovem do Brasil. E conseguimos! Não porque eu ache isso mas sim porque fomos premiados. Era o sonho se realizando. Tudo baseado em três coisas: independência, muito trabalho e opinião.
Sempre tivemos total liberdade para exercer nosso papel de jornalistas. Nunca, nem uma vez, Ângelo Rossi se meteu em quaisquer situação polêmica. Sempre ficou ao nosso lado, o que nos dava muita segurança na forma de atuar, principalmente com o departamento comercial, que basicamente quer vender, seja da forma que for. Os embates com os responsáveis foram titânicos e não foi uma ou duas vezes que minha cabeça foi pedida, pela forma com que eu defendia, com aval do Kojin, os projetos para a revista.
Comecei a participar de reuniões com publicitários e ver que a FLUIR era sinônimo de jovem neste seleto ramo. Carro com a logo, mensagens nos celulares (para a época era a vanguarda da vanguarda), camisas, barracas, festas inesquecíveis, premiações histórias para os surfistas preferidos dos leitores… Tanta coisa, construída sem vender a alma…
Muito se fala, no mundo todo, que a internet acabou com a mídia impressa. Discordo! Assim como a TV não acabou com o rádio, a internet não vai acabar com revistas e jornais. O que acontece é uma simbiose entre ambos, onde a qualidade e interação se faz necessária, com competência obviamente. E me parece que a editora que comprou a quase falecida FLUIR da extinta Peixes, não se preocupou em fazer isso. Apostaram no site Waves, tradicional no mercado, mas que competia com a revista e sua marca, infinitamente maiores.
Aos poucos, a revista perdeu sua maior qualidade, a liberdade, e passou a flertar com o perigoso mercado, sempre querendo mandar no que não entende. Assim como um jornalista não sabe produzir uma bermuda, um empresário de surfwear não tem a menor idéia de como publicar um bom veículo de comunicação. Eles se completam sim, mas cada um no seu limite de espaço. A partir do momento que as marcas passaram a controlar o que saía nas páginas, a vaca foi pro brejo. A partir do momento que o site da FLUIR foi esquecido em prol do WAVES, a vaca foi pro brejo. Um erro de avaliação que custou caro. E pela terceira vez, a FLUIR sucumbe a má administração e falta de visão, só que dessa vez, me parece, sem um herói para resgatá-la.
Sei que Adrian (Kojin), Paulinho (Paulo Costa Jr.), Naninho (Ernani Mesquita), Waltinho (Walter Garrote), Ale (Alessandro De Toni), Lucky (Luciano Ferrero) e Steve (Steven Allain) estão como eu, muito tristes pelo fim de uma era. Nós, que vivemos os tempos de ouro da revista, que de patinho feio se tornou o carro chefe de uma grande editora nacional, sentimos que uma parte de nosso espírito some junto da FLUIR.
Torçamos para que a Hardcore, a eterna rival, continue viva e aprenda a lição de que o importante no jornalismo é buscar a informação e mais do nunca opinião bem embasada. O jovem pode estar perdido entre telinhas e telas de smartphones e tablets, mas ainda tem muita gente, quarentões como eu, que querem um algo mais, que precisam de conteúdo, que curtem sentar e folhear uma boa revista e, quem sabe, passar este hábito para seus filhos e estes para os seus netos. O papel não acabou, apenas se transformou. Jornal e revista são produtos para quem quer qualidade. E é isso que causou a morte da FLUIR. Não foi internet ou outra desculpa. Faltou ser a melhor onda!