Estava há bastante tempo preparando este texto, afinal de contas, para mim é um assunto importante e precisa ser debatido com equilíbrio. Mas uma série de depoimentos num post criado por Roberto Perdigão concluiu meu raciocínio. Vamos em partes.
Há alguns dias, o COI (Comitê Olímpico Internacional) informou que o surf, dentre outros esportes, faria parte do programa dos Jogos de Tóquio, em 2020. Ao meu ver, uma decisão atrasada, pelo menos 4 anos, pois com as excelentes ondas que quebraram no Rio durante nossa Olimpíada a disputa por medalhas em águas cariocas seria sensacional.
Sempre rolou muita discussão sobre o surf entrar para os Jogos Olímpicos, só que uma vez definido, pouco li ou escutei sobre o assunto. Muita gente acha que o crowd vai aumentar, outros que daria um novo boom no mercado, mas na verdade é que, ao menos no Brasil, do jeito que as coisas vão, nada parece que vai mudar.
Sou contra o formato escolhido pelo Brasil para fomentar o esporte em geral. Temos inúmeros exemplos mundo afora, em particular nos Estados Unidos, onde o esporte anda junto da educação, num modelo que forma mentes capacitadas e grandes campeões. Alguns países, como a Rússia e China, preferem usar o esporte como propaganda política e, ao que parece, inclusive se utilizaram de doping para mascarar performances.
Por aqui, nem isso estamos fazendo. Um trabalho tímido revela alguns talentos, mas a realidade é que os atletas brasileiros dependem basicamente de suas famílias e de uma gigantesca determinação para conseguirem vencer. E isso até certo momento, pois depois, relegados ao ostracismo, muitos (os que não vencem) sucumbem à falta de preparo e educação, vivendo na miséria e esquecidos no tempo, sempre cruel.
O surf brasileiro atual, vive uma crise de identidade grave, que aflige todos os setores, desde os clubes de surf ou associações até o próprio mercado de surfwear, baleado pela crise econômica. Não ache que por termos os dois últimos campeões mundiais profissionais somos ouro em organização e administração. Ao contrário, estamos divididos em duas regiões, a Norte e Sul, numa briga que só nos leva ao buraco.
A CBS (Confederação Brasileira de Surf) simplesmente não consegue unir o país. E para, em 4 anos, formarmos uma equipe para o Japão, é necessário muito trabalho em conjunto e harmonia, o que é impossível atualmente. Acho que esta oportunidade deveria ser aproveitada para organizar nossa base e tentar, neste curto espaço de tempo, colher algum fruto nem que seja apenas para ter o Circuito Brasileiro novamente. Sei que é muito mais fácil chamar o Medina, o Toledo ou o Mineiro para disputarem no Japão. Mas do que isso nos ajudaria concretamente além de uma chance maior de ganhar simples medalhas?
Gabriel Medina entrando no clima olímpico.
O Brasil, através de cabeças bem intencionadas e com profundo amor ao esporte, foi um exemplo de formação de atletas e seres humanos durante muitos anos. Poderia ficar aqui até amanhã escrevendo os nomes de diversos surfistas que se tornaram pessoas de bem devido ao preparo que tiveram durante sua adolescência, viajando e conhecendo novos horizontes, com disciplina e responsabilidade. Mas parece que nenhum deles herdou o dom ou a vontade de se tornar um dirigente (que no fundo são políticos), palavra tão esculhambada para grande parte do nosso povo, mas que é fundamental para que as engrenagens funcionem e a máquina possa produzir Gouveias e Padaratz aos montes.
Equipe brasileira no ISA Games de 2011. Foto: ISA/ Divulgação
Chegamos a um impasse, onde é necessário sangue novo cercado de experiência. Não dá para olhar mais para as figuras de sempre dirigindo o nosso esporte. Todos são bemvindos, mas como conselheiros e não como líderes. E também chega deste papo de surf amador. Isso é balela. Quem trabalha tem que ser muito bem remunerado e com transparência. Um salário fixo ou bônus por produção são fundamentais para que alguém tenha a motivação de se jogar de corpo e alma neste desafio. Que se contrate um CEO. Que a diretoria fiscalize. Que os conselheiros fiscalizem. Que os atletas participem de tudo e não apenas na hora de vestir uma lycra. Tá na hora de se sentarem e conversarem para chegar a algum lugar. Que se engulam os egos, a inveja, a cobiça. Vamos pensar num bem maior.
Aposto que os EUA e Austrália, dominados por nós há algum tempo, vão se organizar e tentar retomar a hegemonia que perderam no Tour. E não se engane, isso começa na base, nos bairros, praias, clubes com garotos e garotas de pouca idade. Hoje temos alguns fenômenos, mas assim como no futebol, em algum momento a fábrica para e ficaremos pra trás.
O surf pode crescer muito com a inclusão nos jogos olímpicos. Foto: ISA/Divulgação
Não interessa se o futuro vem do Oiapoque ou Chuí. O que importa é que nossos filhos consigam reviver aquilo que eu vivi quando era moleque. Uma aura de competição que me deu amigos de uma vida. E concordo com Perdigão numa coisa: o diálogo sempre é fundamental, mas a falta de ação é mortal. Não podemos pecar pela intransigência, nem pela falta de atos. Que todos sejam sábios e consigamos retomar o rumo.