Passada a etapa da WSL em Trestes, na Califa, com a vitória de Mick Fanning sobre Adriano de Souza em ondas pequenas, li com atenção as resenhas e comentários sobre o último dia, que teve algumas baterias bem polêmicas. E deixando de lado o besteirol dos fanáticos de plantão, concordo com boa parte da galera que achou o julgamento bem inconsistente. Só não dá para dizer que os brasileiros foram roubados porque afinal de contas tivemos três entre os quatro primeiros e Fanning esteve impecável com suas manobras velozes, sem perder um pingo de equilíbrio, como se fosse um robô.
E é aí que mora a questão principal deste texto: Em plena troca de guarda, onde a molecada voa cada vez mais alto e com rodopios mil, como pode um cara de 34 anos, que nunca foi conhecido por surpreender, ter um domínio tão amplo num dia de marolas perfeitas mas, apenas marolas? Será que é porque os juízes gostam do velho estilo dos anos 90 e 2000 ou porque o que Mick fez, poucos fazem?
Outro dia estava dando uma olhada nas ondas perto de casa e vi um garoto com cerca de 12 anos acertando uma belo aéreo 360. Na hora pensei, “porra, quem é esse garoto?” Pois assisti mais duas ondas e basicamente a única manobra que ele acertou foi o aéreo. Ou seja, o garoto já sabe voar bonito, mas não acertava um cut back. E meu caro, surf competição ainda se pratica bastante na onda e não acima dela.
É inegável que os aerialistas do Tour são excepcionais porém sabem que não basta só isso. Até Josh Kerr, que pra quem não sabe era um monstro nos vôos, inclusive criando manobras dificílimas praticadas pela nova geracão, teve que acertar sua linha de surf para poder fazer frente aos adversários. Tudo por causa de uma simples questão da física chamada velocidade. E a coisa mais complicada de se fazer numa onda com velocidade é conectar as manobras de borda. Inverter a direção, com estilo, sem derrapar então, pouquíssimos fazem.
Estas trocas de direção, principalmente no pocket da onda, são muito bem pontuadas exatamente porque quem entende o mínimo de surf sabe da dificuldade de execução. Oriundo da era do Power Surf, o ‘carve’ ficou muito conhecido com o tricampeão mundial Tom Curren, que arrancava suspiros de quem assistia suas exibições, que pareciam desenhadas na onda por um compasso. Kelly Slater, não tinha o mesmo estilo, mas acrescentou força ao movimento, ganhando alguns títulos mundiais acertando carve insanos deixando a rabeta de frente para a praia. O habilidoso Andy Irons iniciou seu reinado com esta arma também no repertório. De Coolongatta, Joel Parkinson e Mick Fanning resgataram de seus ídolos aussies (Michael Peterson, Wayne Bartholomew e Richard Cram) a manobra, encaixando-a num surf de linha esculpido nas perfeitas direitas de Burleigh Heads, Kirra e Superbanks. E toma-lhe mais canecos!
Manobras que colocam a rebeta em direção a praia mostram a força do surf do 11 vezes campeão do mundo Kelly Slater.
Tom Curren é o mestre do estilo, mas usava a borda como poucos.
Como vê, uma manobra antiga, executada por “coroas” mas que nenhum outro surfista da nova geracão consegue executar da mesma forma, tamanho o grau de dificuldade e quem sabe até de aprendizado. Da geraçao de meados da década passada, apenas Jordy Smith e acredite se quiser, Adriano de Souza, são bons na inversão de direção no topo da onda, os famosos arcos. O motivo talvez possa ser o que escrevi acima, um interesse maior em voar primeiro e depois fluir. Ou talvez seja o simples desejo de sentir o que os pássaros sentem, nem que seja por míseros dois segundos. Mas o que importa é que modernidade não quer dizer dificuldade.
Assim como o cut back, (quando foi executado pela primeira vez deixou muitos de queixo caído) os aéreos viveram a mesma situacão de euforia à apenas obrigacão. E da mesma forma, algumas variações caíram no lugar comum e se tornaram tão boas quanto uma batida tirando a rabeta da onda, o que deixa certamente parte da galera indignada pelo fato de que a manobra aérea recebe a mesma nota (as vezes menos) que uma manobra de borda.
Michael Peterson foi um dos pioneiros do carve.
Filipe Toledo executa as manobras aéreas com muita precisão
Me lembro dos ensinamentos de Marcos Conde, meu técnico na Cristal Graffiti por muito tempo: “Cada onda tem a manobra certa no lugar certo e o somatório delas é que vai torná-la um 10 ou um 6”. No nível atual, 60% dos Top 32 voam fácil. Mas apenas 20% acertam um belo carve no lugar exato. E isso meu caro, é na minha opinião o porque de Mick Fanning receber tantas notas boas em ondas de linha, mesmo as pequenas, onde se impressiona muito mais inverter a direção do que acertar um double grab.
Alguns surfistas caminham para se tornarem bons ‘carvers’. Julian Wilson, Filipe Toledo, Owen Wright e Gabriel Medina estão se aprimorando, mas ainda falta verticalidade com velocidade e principalmente a potência que vem de um bom botton turn (cavada). Observe o vídeo da semifinal e final com Fanning e vejam a projeção que suas cavadas proporcionaram… O resultado são manobras rápidas, com muita água para fora da onda e plasticidade e conexão com outra sessão da onda. Surfar bem uma linha como Trestles é um conjunto de coisas, não apenas um ou dois grandes movimentos. Talvez este seja o segredo de Slater, Fanning e Cia ainda conseguirem se manter entre os Top 10.