Por Felipe Zobaran
Conheci Alexandre Gontijo no fim dos anos 80. Ele tinha uma coluna de novidades no jornal Now, especializado em surf, onde eu trabalhava. Era tarefa minha decifrar os garranchos no papel sempre amassado em que ele entregava seu texto. Sentávamos juntos para organizar todos aqueles assuntos que ele compilava. A coluna se chamava Nowvidades e era um mosaico sobre o mundo
do surf.
Alexandre tinha menos de vinte anos. Eu não fazia a menor ideia de como ele conseguia todas aquelas informações. Sabia apenas que ele arranjara uma espécie de acordo com um dos poucos jornaleiros de Ipanema que vendiam revistas estrangeiras e lia praticamente a banca toda, devolvendo as revistas depois para serem propriamente vendidas.
Alexandre fazia mais do que compilar. Comentava, acrescentava, comparava, contextualizava tudo que fosse relacionado ao surf. Numa linha da coluna, contava que Denílson, surfista do arpoador, era o novo ponta esquerda dos júniores do Bonsucesso. Noutra, lamentava que os surfistas amadores cariocas tivessem depredado o ônibus do patrocinador.
Fiscalizava tudo que saísse na imprensa estrangeira sobre o Brasil. Gostava de bater quando lia besteira. Quando uma revista francesa publicou um artigo sobre o Brasil, Alexandre escreveu que “o texto mostra mentiras enormes como algumas que estão citadas abaixo: 1- Aqui no Brasil tem áreas reservadas para favelados pegar onda; 2- Não precisa respeitar as mulheres; 3- Você dá
dinheiro ao guarda para poder surfar; 4- A Bahia não passa de uma grande lagoa”. A gente ria.
Anos depois, Alexandre ficou bastante famoso nos círculos do jornalismo esportivo por essas mesmas características, só que agora o assunto era futebol. Grandes nomes da imprensa nacional e muitos correspondentes internacionais admiravam e respeitavam seus conhecimentos e a generosidade em compartilhar sem pedir nada em troca além de amizade.
Grande, desengonçado, cabeça enfiada nos ombros, zero de pescoço, chamava a atenção em qualquer lugar. Os olhos apertados e o sorriso sempre engatado. Gostava de crianças e animais. Tinha uma aura de pureza, uma fragilidade óbvia. Gaguejava, mas não era tímido. Sabia chegar devagar, ouvir longamente, mas não deixava de dar opinião. Era quando brilhava.
A inteligência do Alexandre era acima de tudo cordial. Servia para que ele se conectasse aos amigos. Era também uma inteligência enciclopédica, bem-
humorada e generosa. Sempre pronta para dois dedos de prosa. Dois anos atrás voltei a morar no Rio e passei a novamente encontrá-lo com frequência pelas
ruas de Ipanema, incrivelmente descalço, com um livro ou uma revista embaixo do braço. Todas as vezes ele parou e conversou sem pressa comigo.
Esse espírito carioca era o Alexandre. Amizade, surf e futebol. Praia e Maracanã. Ele não surfava. Adorava jogar bola. Jogava mal, dava até umas caneladas nos adversários que pretendessem vazar sua defesa. Mesmo assim foi o craque mais querido do Moreirão, campinho na Gávea onde encontrava seus melhores amigos e era feliz.
Sei que hoje, e ainda durante um bom tempo, vou andar aqui por Ipanema com a certeza de esbarrar por acaso com o Alexandre ao virar uma esquina qualquer. Vamos trocar informações sobre surf, futebol e, principalmente, sobre os amigos presentes e sobre os que não temos visto. Ele vai se sacudir de tanto rir quando eu contar uma fofoca daquelas que ele adora. Vou me despedir e
seguir meu caminho, feliz da vida por ter tido a sorte de encontrar meu amigo inteligente, carinhoso e engraçado.
Alexandre morreu na véspera da final da Copa do Mundo, aos 48 anos, de um ataque fulminante do coração. Vai fazer falta para mim e para muita gente.