Que grande surpresa me causou a coluna de Julio Adler na Hardcore de outubro. Uma página inteira dedicada a me dar uma reprimenda sobre minha opinião no texto escrito por mim “Eles são os maiores culpados”, que veja bem, ganha a segunda retórica (a primeira foi na mesma revista, em setembro, só que na coluna de Junior Faria, que preferiu omitir o nome do site que publicou – no caso este – e quem escreveu, no caso eu).
Opiniões distintas fazem parte da sociedade e são o que nos fazem evoluir, através dos debates. Concordar, discordar… o importante é abrir discussão sobre assuntos relevantes. Só que para isso, eu penso que as pessoas que criam estes debates tem de ser isentas e sem compromissos, sejam eles éticos ou emocionais. Sendo assim… Em primeiro lugar, já que o colunista resolveu citar um pouco do meu currículo, acho necessário mostrá-lo da forma real e não sob a ótica dele, certamente sem o devido conhecimento.
Caro Marreco, sempre achei irrelevante este negócio de dizer que fui surfista amador, profissional ou o que seja. Isso não é prerrogativa de competência para nada, basta olhar o montão de jogador de futebol consagrado falando bobagem na TV. Saber surfar bem, que é o nosso caso, apenas é uma pequena parte de um todo. O mais importante é o tempo e serviço dedicado ao surf.
Comecei no jornalismo em 1989, no jornal Now, editado por Rosaldo Cavalcanti, Felipe Zobaran e Wanderley Carbone. Fiquei lá por seis anos, aprendendo muito sobre como funciona um veículo especializado sem muitos recursos, trabalhando de madrugada como estagiário, indo para São Paulo de busão, levando o jornal inteiro numa pasta para montá-lo na Folha de São Paulo, onde era impresso. Foi ali Marreco, que conheci seu tão adorado Derek Hynd, que na verdade fumava maconha o dia inteiro e falava um monte de merda. Até tosou seu cabelo e deixou ele ensacado na gaveta do Rosaldo, que quase teve um filho quando viu aquela nojeira. Conheci também Matt Warshaw, o cara que escreveu a enciclopédia do surf e o Tim Baker, editor do Tracks, gente fina a beça, este sim um gênio. Foi também naquele ambiente que conheci uma das pessoas que mais admiro pela sua honestidade e caráter, Marcelo Andrade, a quem chamo de amigo.
Neste meio tempo, passei nove meses trabalhando como editor do Realce e Vibração Surf e Bodyboard. Sem receber. Sim, os caras não tinham grana para me pagar, ao menos diziam isso, e quer saber, não me importava, pois tinha o resguardo dos meus pais. Sempre achei importante o conhecimento, pois este é o maior tesouro de um homem. Por isso fiz o sacrifício de ralar e não ser remunerado. Nunca me esqueço da primeira vez que entrei numa ilha de edição e vi uma pancada de equipamento. Pensei que nunca iria mexer naquilo. E dois meses depois já montava os programas sozinho…
Após estes dois trampos, fui convidado para ser vice-presidente da OSP (nunca fui conselheiro, aliás não me lembro de você no Conselho neste período). Junto com o Marcelo, Pedro Falcão e Henrique Motta pegamos o Circuito Carioca Profissional, que estava simplesmente morto, e fizemos por quatro anos um dos melhores do Brasil, colocando na área gente como Leonardo Neves, Raoni Monteiro, Marcelo Trekinho e tantos outros. Ali, aprendi a correr atrás de dinheiro, indo bater na porta das marcas e até tomando chá de cadeira em Secretaria de Esportes. Tudo para poder oferecer aos surfistas profissionais do Rio um circuito digno. Chegamos a colocar dinheiro do nosso bolso, que obviamente nunca retornou. E já ali, escutava poucas e boas de jovens que não tinham a menor idéia de como funciona a vida fora da praia.
Neste período pintou também outra oportunidade, que foi trabalhar na assessoria de imprensa da etapa carioca do Circuito Mundial, em 97, no Kaiser Summer, aquele mesmo onde o Slater tirou um tubão e acertou o floater mais longo que já vi. Neste evento, trabalhei para a Francis Waymberg, dona da Exclusive, que me mostrou como eram os bastidores da grande mídia, abrindo as portas por exemplo da Rede Globo, onde conheci muita gente bacana como a Mariana Becker, hoje cobrindo a Fórmula 1 e o excelente jornalista Túlio Brandão, que surfa um pouco menos do que nós, mas certamente manja muito mais de jornalismo. Foram três anos de muito aprendizado, inclusive de como funciona uma etapa do Tour, lá de dentro, não de uma varanda montada em arena.
Depois disso, em 2000, fui convidado pelo então editor chefe, Adrian Kojin, para assumir a condição de editor da Fluir, numa fase onde a revista estava perdendo a disputa com a Hardcore pelo mercado comercial. Eles apostaram no meu sangue salgado e acho que não se arrependeram. Apesar de eu ter pedido demissão umas três vezes, por não suportar morar em São Paulo, sempre acabei sucumbindo ao papo do Adrian e obviamente, um aumento. Em dois anos dobramos o faturamento da revista. Modernizamos o editorial com assuntos relevantes, buscamos a história do esporte e abolimos os palpites das marcas. Quantas brigas o Ângelo (Rossi, dono da Editora Peixes, proprietária da Fluir na época) comprou por nós, a redação, com a Waves, que comercializa os clientes diretos (sem agência). Éramos no início o patinho feio da quinta maior editora do país. Transformamos a Fluir na melhor revista jovem do Brasil, prêmio dado em 2003. Criamos uma marca que rendeu rios de dinheiro, virando símbolo jovem no disputado mercado de publicidade paulista. Tive contato com diversos marqueteiros, donos de agência, um outro lado da mídia que desconhecia.
Em 2006, devido ao agravo de saúde de meu pai, resolvi abandonar o posto de editor chefe, concedido a mim após tanto trabalho (acho Marreco, sem ofender, que você não sabe bem a diferença entre editor e editor chefe), e retornei ao Rio, para trabalhar na empresa que meu irmão Dico, o surfista mais talentoso, sem dúvida, estava criando.
Ou seja, contei tudo isso, meus quinze anos trabalhando diretamente no meio, para mostrar que tanto você quanto o Renato Galvão, não tem conhecimento suficiente para debater sobre qualquer assunto referente ao mercado no Brasil. Eu vivi isso. Vocês, leram a respeito e, na melhor das hipóteses, escutaram alguém falar sobre. Esta é a diferença entre nós. Eu fui e fiz. Você meu caro Marreco, apenas fala, no caso escreve.
Para finalizar, acho que tanto o Junior Faria quanto você não leram com atenção o título do meu texto: “Eles são os maiores culpados”. Vejam, os maiores não são os únicos. Apenas os grandes responsáveis, ponto de vista meu e de um grande contingente de pessoas – a enorme maioria sem ser surfista profissional – que deram suas opiniões nas redes sociais.
Também continuo achando que a maioria dos surfistas “profissionais” do país não tem um nível de educação e cultura suficiente para se juntarem e acabarem com o vácuo nas competições no Brasil. Vi muitos reclamando, me xingando, me ameaçando, mas passados dois meses nada de novo rolou. Quanto ao estereótipo de surfista, bem, muita coisa mudou desde os anos 80, porém na base da pirâmide, tá a mesma coisa. Gente sonhando em ser paga para ficar na praia, pegar altas ondas e talvez dar a sorte de se tornar um Gabriel Medina.
Estou com 47 anos, sou um cara bem sucedido, trabalho 10 horas por dia, faço minhas viagens internacionais sem depender de Hang Loose, Rip Curl, Volcom, Billabong ou qualquer marca de surfwear. Posso escrever aqui ou em qualquer lugar sobre qualquer coisa sem me preocupar com o que o CEO ou dono de marca vai pensar de mim. Posso opinar sobre qualquer atleta – desde que seja sobre sua vida profissional – já que não tenho amigos nem recebo tapinha nas costas de pros. Sou coroa sim, porque amadureci, porque vi todos os lados deste universo fechado, porque tenho base para falar, sem ser hipócrita ou corporativista.
Qualquer pessoa tem o direito de discordar sobre qualquer coisa. Isso chama-se democracia. Apenas me chocou um colunista considerado por algumas pessoas o melhor jornalista de surf do país, escrever uma página inteira para dizer que eu estou errado. Meu caro Marreco, o tempo dirá quem está certo. Não são algumas palavras bonitas ou expressões inspiradas em Pepe Cézar (este é fera) que farão acabar a negligência dos surfistas profissionais (não 20 caras que disputam o WQS e WCT) em se unir para correr atrás do pão de cada dia.
O que é preciso é também a mídia especializada parar com esta baboseira de entrevista, viagem, texto poético de competição, capa de Medina a toda hora e focar no que as pessoas querem realmente saber. Da mesma forma que eu envelheci, o surf também amadureceu, junto com seus praticantes. Por isso precisamos de coisas mais relevantes, que nos façam pensar, que façam o mercado evoluir. Talvez seja por isso que um singelo site, criado há pouco menos de seis meses, já tenha feito tanto barulho, a ponto de virar motivo de divergência de valores numa das únicas mídias restantes do surf.
Ah, Marreco, conheço sim o Heitor Pereira, o Pablo Paulino, o Thiago Camarão, o Adriano de Souza, o Rodrigo Sininho, um montão de gente. Sabe porque? Por que coloquei eles nas páginas da Fluir, apresentando-os para o mundo. Mas não me pergunte se sou amigo deles, pois nunca foi o importante. O que valia apenas era se o cara tinha uma boa foto e algo a mostrar. Isso, para mim, é o puro jornalismo. Coisa que não vejo atualmente. E pelo número de revistas vendidas, não sou o único.