Chutometro das ondas para o Rio

Previsão para sábado: 1 metro a 1 metro e meio, com series maiores em algumas praias. Vento fraco pela manhã, ganhando força a tarde. Melhores picos: Arpoador, Prainha, Macumba, e Grumari.

Previsão para domingo: 1 metro, series maiores em algumas praias. Vento nordeste forte o dia todo. Melhores picos: Arpoador, São Conrado canto esquerdo, Leme, Macumba e Prainha.

M de Monstro

Por Henrique Tupper

A vitória do Gabriel Medina na etapa mais emocionante do WCT da ASP confirmou para todos os analistas e críticos de surf a competência e a maestria do menino prodígio brasileiro. Todos os analistas de surf não tem mais dúvidas de que o brasileiro chegou para disputar não apenas o título desse ano, mas daqui por diante, o título de campeão mundial todo ano. Lógico que depende de vários fatores, mas a grande questão de hoje é como parar o Medina em qualquer tipo de onda. E, o mais bizarro é que o pior resultado dele até o momento foi na etapa brasileira. A que teoricamente ele teria maiores condições para vencer.

A etapa de Teahupoo é sem dúvida a etapa que eu mais gosto de assistir: seja tanto pelo grau de dificuldade, como pela a beleza plástica das ondas. A verdade é que essa etapa é um verdadeiro teste de sintonia entre o surfista, a prancha e a onda. Qualquer vacilo pode ser literalmente fatal. Na minha opinião, o competidor mais perfeito da etapa foi o Gabriel Medina (GM). No entanto, o título de melhor surfista deveria ser concedidor ao John John Florence (JJF) e ao Kelly Slater (KS), ambos empatados. Explico: foram os que mais me empolgaram, os que mais se jogaram, os que mais se arriscaram e os que mais pontuaram. JJF, pra mim, foi um dedinho mindinho superior no quesito “go for it”. Mas sem dúvida, KS deu uma aula atrás da outra.

Se compararmos a pontuação final das baterias de cada fase do Medina com os dois que mais surpreenderam durante todo o evento vamos observar uma estatística interessante:
Em um confronto direto, o Medina perderia para ambos, em todas as fases, exceto na final, é claro. Nas quartas de final e na semi uma curiosidade a mais: a maior nota de Medina, dentre as duas que somam a pontuação final da bateria, era menor que a menor nota do computo geral de JJF e KS em suas respectivas fases. Isso mostra que, enquanto o KS e JJF davam shows, fazendo em algumas baterias três a quatro notas acima de 9, Medina, além de surfar magistralmente, apresentou um balanço entre o surf/tático/psicológico exemplar diante de cada oponente. Em outras palavras, isso significa que ele se apresentou de modo suficiente para ganhar cada uma de suas baterias, sem se arriscar muito, nem pouco.

Medina totalmente tranquilo nos tubos de Teahupoo. Foto : ASP/Kirstin

Medina totalmente tranquilo nos tubos de Teahupoo. Foto : ASP/Kirstin

Claramente a estratégia do Medina durante toda a etapa era surfar as ondas mais medianas (se é que existiam medianas) e fazer um tubo mais longo. Enquanto, JJF e KS simplesmente surfavam as maiores cracas que apareciam e não se intimidavam de backside perto do foamball.A estratégia do Medina deu tão certo que das quartas para frente, com mais confiança, ele aumentou as suas médias de pontuação final em suas baterias seguintes.Vale destacar o jogo tático nas Quartas de final feito pelo Medina na bateria entre ele e Kolohe Andino: a disputa intensa entre ele e Andino para pegar a primeira onda, um empurrando o outro para dentro da bancada, foi perfeita. Imagino que se o Medina, de front side, pegasse uma onda tão dentro da bancada já ia ser difícil passar a onda. Para o Andino, de backside,  seria muito mais que difícil. Seria a morte. O jogo de paciência e persistência fez com que a 1ª onda fosse surfada por Medina somente após 16′ 40” da bateria iniciada. Com duas ondas medianas, antes de Kohole pegar a sua primeira onda, Medina dominou o resto da bateria até vencê-la no final.
 
Toda a bagagem absorvida durante o evento deu notoriamente mais confiança ao Medina. A final foi a bateria que o Medina, na minha opinião, surfou as maiores ondas. Pode não ter ficado tão deep como nas ondas surfadas nas fases anteriores, mas foi a bateria em que ele pegou as maiores cracas,E sem dúvida ele dominou a bateria do início ao fim: quando o Medina tirou a sua maior nota na bateria (9,53), ele já somava de pontuação 18,50 e o KS míseros 2,17 – ainda não havia sido anunciada a nota de sua segunda onda (9,63). Definitivamente “He’s not scared” como Potter disse ao vivo e, mais do que isso, ele estava muito a vontade. Talvez seja por isso que, na minha opinião, Medina taticamente não tenha sido perfeito na final. Ele ganhou porque surfou muito mesmo diante do mito. No entanto, taticamente, ele pecou duas vezes:

1) Quando faltando 10 minutos para acabar a bateria, ele com a prioridade e pressionado pelo KS pegou uma onda muito dentro da bancada e foi atropelado pela foam ball. Em seguida, KS pegou a onda logo de trás, mas pontuou apenas 8,97 e não conseguiu virar. Mal posicionado, Medina não deveria ter pego a onda. Perdeu a prancha e muito tempo até retornar ao line up. Ter deixado a fera solta naquele momento poderia ter lhe custado o campeonato.

2)  Depois de uma queda em uma que poderia ter rendido um 10 a KS, se ele saísse do tubo, Medina obtém a prioridade. Faltando 26 segundos para acabar a bateria, Medina não marca a onda que o KS rema e deixa a fera fazer a última onda da bateria. KS faz uma excelente onda e marca 9,30. Precisava pontuar 9,33 para virar a bateria.

Eu não consigo avaliar se a nota do KS valia 0,03 a mais ou a menos. Sinceramente, acho que não valia 9,30 – mas sou brasileiro e realmente torço para o Medina. De qualquer forma, na semi final KS e JJF fizeram a bateria mais emocionante que já vi na minha vida. O Alexandre Guaraná destacou aqui em sua resenha a emoção que foi essa bateria. E na última onda, JJF precisava marcar 9,88 e pontuou apenas 9,87. Por arredondamento matemático da média das notas de 3 juízes JJF nunca poderia ter feito 9,88. Mas por uma coincidência poderia fazer 9,87 e ser penalizado por uma derrota no ultimo segundo por 0,01. Isso sim é uma conspiração do destino que Gabriel Medina vingou JJF, na mesma moeda, na bateria seguinte.De qualquer forma, os pecados cometidos por Medina poderiam ter mudado o resultado. Mas a sorte e o destino sorriram ao melhor surfista da final: Medina sagrou-se campeão.

Por fim vale comentar que nunca vi o KS tão nervoso em uma bateria como nessa diante do Medina. Caiu duas vezes, puxou o bico, se posicionou errado e por fim fez a sua pior média desde o início do campeonato (excetuando-se a média de pontuação da 1ª rodada). Eu já ouvi muito que competir contra o KS é muito difícil por ele ter uma força psicológica dentro da bateria descomunal. Vendo o comportamento do Medina durante todo o campeonato e, em particular, na final contra KS, acho que o Medina marcou mais um ponto em sua corrida para o título mundial. Ele, de fato, é um monstro.

Parabéns Medina.

Medina mostrou tranquilidade antes das baterias. Foto: ASP/Kirstin

Medina mostrou tranquilidade antes das baterias. Foto: ASP/Kirstin

 
 

Dizer mais o que ?

Não tenho mais nada a dizer sobre a vitória de Gabriel Medina em Teahupoo que não tenham dito. Acho apenas que a verdadeira camisa amarela em 2014 é a do Medina e não da nossa seleção. Nos deu grande orgulho ver um brasileiro vencer o melhor evento de surf já realizado.

Medina está muito perto do título mundial de 2014. Foto ASP/ Kirstin

Medina está muito perto do título mundial de 2014. Foto ASP/ Kirstin

Não faltou disposição para dropar as bombas da serie. Foto: ASP/ Kirstin

Não faltou disposição para dropar as bombas da serie. Foto: ASP/ Kirstin

A felicidade com a conquista da etapa e a liderança isolada do ranking, estava estampada no sorriso de Medina. Foto:ASP/Will-Hs

A felicidade com a conquista da etapa e a liderança isolada do ranking, estava estampada no sorriso de Medina. Foto:ASP/Will-Hs

 

“O”Evento

Gabriel Medina venceu. Kelly Slater e John John Florence deram show, mas o que ficou para a história neste épico Billabong Pro foi o principal ingrediente do surf: as ondas. Elas, que muitas vezes no WCT são deixadas de lado por vôos e outras manobras modernas, desta vez tornaram-se protagonistas pelo força e perfeição.

Em quatro dias de 6 a 12 pés, com séries maiores, sempre verdes e insanas, os Top 32 puderam se redimir da etapa de Fiji em 2013, quando resolveram não disputar as baterias com, talvez, as melhores condições de surf de todos os tempos no Circuito Mundial – Cloudbreak com 15 a 18 pés incrivelmente lindos.

Kelly Slater totalmente a vontade nas poderosas ondas de Teahupoo. Foto: ASP/ Will

Kelly Slater totalmente a vontade nas poderosas ondas de Teahupoo. Foto: ASP/ Will

Lógico que para Gabriel, esta conquista ficará para sempre em sua memória, pois vencer Slater, em Teahupoo, da maneira que foi, é para deixar qualquer um com estado de espírito divino. Ainda mais com uma vitória que praticamente lhe dá o tão esperado caneco de campeão mundial, o primeiro para um brasileiro, com enormes chances da consagração vir antecipada na Europa. Soa irônico o provável feito de Gabriel num ano onde o surf basicamente sumiu a nível nacional.

Eu, que por mais de 20 anos assisti campeonatos do Tour em condições das mais variadas, penso que não verei novamente algo parecido, ainda mais durante a semifinal entre John John e Kelly, onde ambos empataram em 19,77 pontos, com Slater vencendo no desempate por ter um 10 contra 9,90 de Florence. Aquela bateria foi a síntese de como eu gostaria que as etapas do Circuito fossem. Dois surfistas, aqui separados por mais de 20 anos de idade, se divertindo em condições épicas com um approach agressivo, tentando superar o limite do outro, mas com respeito e um sorriso no rosto.

John John Florence deu show nos tubos de Teahupoo. Foto ; ASP/ Kirstin

John John Florence deu show nos tubos de Teahupoo. Foto ; ASP/ Kirstin

Neste evento, algumas cenas não sairão de minha memória: os drops verticais de John John, as passadas por dentro dos canudos de Medina, o controle de Kelly no foam ball, as vacas horrendas de Dion Atkinson e Owen Wright, o tubo gigantesco de Nathan Hedge, a energia das baforadas… Tanta coisa incrível… Enfim, momentos marcantes que fazem do surf um esporte único.

Fico feliz por Gabriel, a quem tanto critiquei, sempre pensando no que deveria melhorar, simplesmente por enxergar nele o potencial para ser o que é. Fico feliz por John John, a quem tanto admiro, simplesmente por manter-se fiel ao seu espírito havaiano, querendo curtir ao invés de apenas vencer. Fico feliz por existir Kelly Slater e ele mostrar ao mundo que uma vida regrada e compromissada ao que ama faz um “coroa” de 42 anos manter a alma jovem, seja desafiando os mais novos, perdendo e ganhando, mas sendo feliz.

Você pode achar que Gabriel teve uma chave tranquila até a final ou que Florence venceu Kelly na bateria equilibrada, mas o que importa, ao menos para mim, foi ir dormir com o sorriso estampado no rosto e o pensamento orgulhoso de fazer parte desta tribo. São por situações como essa, onde o homem domina a rainha natureza, que o surf é o esporte dos reis. Hoje, 25 de agosto, deu orgulho de ser surfista. Parabéns Top 32! Parabéns Gabriel! Parabéns para nós!

A felicidade com a conquista da etapa e a liderança isolada do ranking, estava estampada no sorriso de Medina. Foto:ASP/Will-Hs

A felicidade com a conquista da etapa,e a liderança isolada do ranking, estava estampada no sorriso de Medina. Foto:ASP/Will-Hs

Medina arrasador

A atuação de Gabriel Medina, no round 3 da etapa de Teahupoo, foi algo de impressionar a todos os desconfiados de sua capacidade. Não lembro de uma performace tão convincente de um brasileiro em condições extremas, no circuito da ASP. Parecia que ele era local  e estava totalmente acostumado com as condições do pico. Está é a sua terceira temporada de Tahiti, o que não é tanto para uma adaptação total aos tubos que estão quebrando. Foi uma performance comparada a de Kelly Slater e John John Florence, especialistas neste tipo de mar. Confesso que também não estava tão convicto das suas chances de título como agora. As derrotas de Fanning, Taj e Parko, abrem mais espaço para que isso ocorra. Michel Bourez e Kelly Slater ainda estão na luta, mas sinto que Gabriel será o campeão. Está tudo conspirando para isso, e minha torcida é para que ele manter esse ritmo e contar com a sorte a seu lado.

Medina totalmente tranquilo nos tubos de Teahupoo. Foto : ASP/Kirstin

Medina totalmente tranquilo nos tubos de Teahupoo. Foto : ASP/Kirstin

Cada um com seu limite

O primeiro dia do Billabong Pro Teahupoo, no Tahiti, com ondas de aproximadamente 12 pés, foi um verdadeiro espetáculo para os telespectadores que assistiram pela internet. Contudo, passou a sensação que muitos atletas não se sentiram a vontade naquelas condições.  Os críticos das redes sociais não deixaram passar e já começaram a cornetar alguns surfistas.  Que eles estão amarelando, tirando o bico, pegando as menores, surfando no rabo, e por aí vai. Sinceramente, acho que muitos esquecem que Teahupoo é extremamente perigoso e as possibilidades de uma contusão séria, ou até algo pior, pode ocorrer. No evento deste ano, dois locais do pico já foram parar no hospital. O irmão de Michel Bourez, Kevin, e o vencedor da triagem Tuamata Puhetini. Fora Jordy Smith, que afirmou em entrevista, após sua vitória no Round 2, ter passado o maior sufoco da vida na primeira fase da competição. Penso que se ocorrer o pior, as críticas passarão para o lado da ASP já que os críticos vivem a procura de vilões.

Pensando de forma racional, quem está no Circuito tem que estar preparado para esse nível de perigo. Os riscos são enormes mas fazem parte da profissão. Mas não é o que acontece. A verdade é que no máximo uns dez surfistas dominam estas condicões extremas enquanto o resto faz número. Se o limite de alguns atletas está abaixo de Teahupoo, Cloud Break e Pipeline em dias cabulosos, o melhor talvez seria seguirem para outro ramo. Por outro lado, os atletas tem que cobrar o máximo de segurança que a ASP possa dar. Direito e deveres para os ambos os lados.

John John Florence está preparado para surfar as ondas cabulosas do tour. Foto: Tim McKenna

John John Florence está preparado para surfar as ondas cabulosas do tour. Foto: Tim McKenna

Mas meu intuito neste texto é lembrar que cada um tem seu próprio limite. Lógico que o pensamento de muitos é superá-lo. Porém a evolução e a superação exigem uma preparação física e mental intensa e mesmo assim podem trazer consequências desastrosas. A big rider Maya Gabeira treina muito e se dedica intensamente. Sua profissão é essa, desafiar ondas gigantes. Só que quase perdeu a vida recentemente num dia monstruoso na praia de Nazaré, em Portugal. As cenas do resgate foram impressionantes. Compreendo até certo ponto seus desafios, mas será que vale a pena morrer para provar algo?

Olhando pela ótica do surf amador, ontem estava olhando o facebook e li a notícia sobre a morte de um surfista português em Sumbawa. Rui Cesar tinha 45 anos e era professor de judô. Tinha certa experiência do pico, pois frequentava a Indonésia de 2 a 3 vezes por ano. Bem, ele foi pego de surpresa num mar que estava 2 metros, com séries maiores, batendo forte em cima da bancada. Depois de tomar uma série na cabeça, ficou desacordado e se afogou. Alguns brasileiros tentaram socorrê-lo, mas 72 horas depois ele não resistiu e faleceu no hospital. Pelo perfil dele, acredito que estava preparado para encarar essas condições, mas muitos não estão, abusando da sorte por pressão dos amigos ou por simples egotrip. Pela idade dele, deveria ser um surfista experiente e maduro, sem muitas afobações. Uma semana antes, também em Sumbawa, um jovem australiano, Peter Luke, de 27 anos,  morreu ao ser “esmagado” por uma onda gigante na praia de Jelenga. Segundo os relatos, o mar estava perto dos 15 pés.  Foi o maior swell do ano nesta região. Será que ele estava preparado para tais condições ? Ele não poderia ter evitado essa fatalidade?

Amador ou profissional, os surfistas tem que ter a consciência dos seus limites. Falo isso porque pois as fatalidades podem se tornar uma tendência se não houver um pouco de prudência. Quantos despreparados surfam em Pipeline ou outros picos cavernosos e saem ilesos por pura sorte? Mas até quando isso vai durar ? Não consigo crucificar alguém que puxa o bico numa craca. Seja ele surfista de fim de semana ou Top do WCT. Como diz meu amigo Minduim, ninguém é super homem.

Maya Gabeira dropando uma onda montruosa em Nazaré. Foto : Arquivo Instagram.

Maya Gabeira dropando uma onda montruosa em Nazaré. Foto : Arquivo Instagram.

Geniais e Geniosos

A morte do lendário skatista Jay Adams me fez refletir sobre alguns ídolos do esporte que sempre serão lembrados por seu carisma e genialidade. Atletas que conquistaram um destaque maior do que os dos grandes campeões. Como Jay foi minha fonte inspiradora, começo por ele. Integrante das equipes Zephir Skate e Zephir Surf, ele fez parte de um grupo de californianos que revolucionou o skate vertical em meados da década de 70. Uma seca na Califórnia, acompanhada por um longo período de flat, levou os surfistas de Venice a procurar algo que substituísse a vontade de surfar. O skate passou a ser praticado em piscinas vazias devido ao racionamento de água imposto pela seca. Eram verdadeiros bowls,  ondas de concreto que faziam a festa dos Z Boys, como eram conhecidos os membros da equipe da Zephir. Eles levaram as manobras do surf para dentro do skate, algo ainda não visto anteriormente. Tony Alva e Stacey Peralta completavam com Jay a trinca mais destacada deste grupo. Ao contrário de seus dois companheiros, Jay era muito irreverente e, de certo modo, contrário à profissionalização do skate que estava por vir com força total. Gostava de manobrar e criar novos movimentos sem ter de seguir os compromissos das marcas patrocinadoras, que queriam usar ao máximo a sua imagem. Não se imaginava vivendo com a grana da venda de produtos ligados ao seu uso diário. Era um artista genial e, ao mesmo tempo, genioso. Pensava em aproveitar o momento que estava vivendo da maneira que queria, sem imposições. Alva e Peralta, por outro lado, não perderam a oportunidade e, depois de alguns anos patrocinados por grandes empresas, criaram suas próprias marcas. Ganharam muito dinheiro com seus produtos. Aproveitaram seus nomes para expandir seus negócios. Jay ficou fora dessa onda por não ser a favor de seguir o sistema. Será lembrado por sua genialidade e seus movimentos revolucionários. Extremamente carismático, ficará na história como um mito do esporte, independentemente de feitos competitivos.

Jay Adams surfando no asfalto em meados dos anos 70.

Jay Adams surfando no asfalto em meados dos anos 70.

 

Na mesma Califórnia, uma década depois, em movimento contrário ao dos Z Boys, dois surfistas levaram as manobras do skate para o surf. Christian Fletcher e Matt Archbold, inspirados em Martin Potter, trouxeram as manobras aéreas para dentro d’água. Três surfistas irreverentes com estilos próprios, bem diferentes da maioria dos surfistas profissionais da época. Eram criticados pelos conservadores, que alegavam que as execuções das manobras tinham de ser feitas na onda e não fora dela. Os juízes não conseguiam compreender a vanguarda das manobras que eles apresentavam. Diziam que Fletcher tinha o estilo feio e justificavam suas notas medianas com argumentos  fundamentados na regra das competições, ainda defasadas. Não entendiam o grau de dificuldade das manobras executadas. Contrária ao pensamento dos juízes, a garotada idolatrava as sessões de Fletcher, Archy e Potter nos filmes de surf. A música era hardcore e o surf era pauleira total. Os Wave Warriors, filmes feitos pelo pai de Christian, Herbie Fletcher, exibiam sessões épicas dos três. Se vocês assistirem aos filmes hoje, vão achá-los superatuais. Fletcher e Archy seguiram o tour durante alguns anos, mas depois se cansaram de ser coadjuvantes.Martin Potter, respeitado por suas performances nos eventos da ASP, cansou de pedir a mudança dos critérios de julgamento dos circuitos. Alegava que uma manobra forte, com pressão, deveria valer mais que várias sem risco. Pedia a mudança do surf robotizado, imposto pelo sistema. Foi levado a sério em 1989, quando se consagrou campeão mundial de forma avassaladora. Os julgamentos seguiram novos rumos depois do título de Potter. A influência dos três para a geração atual é enorme. Hoje, um surfista não é completo se não souber executar vários tipos de manobras aéreas. Quem acompanha as competições de surf sabe do que estou falando.

Martin Potter foi um dos responsáveis pela mudança do julgamento das competições de surf.

Martin Potter foi um dos responsáveis pela mudança do julgamento das competições de surf. Foto: Aaron Chang

 

No Brasil, Dadá Figueiredo também surfava de maneira totalmente diferente da maioria dos surfistas profissionais da ABRASP. Colocava muita velocidade na prancha e suas manobras eram inovadoras. O skate, que também fazia parte da sua vida, foi incorporado ao seu modo de surfar. Seu modo genial em cima da prancha também não foi muito valorizado pelos juízes. Venceu algumas etapas, mas o normal não era a vitória. Mesmo não tendo um título brasileiro, é um nome reverenciado por uma legião enorme de fãs. Contra o pensamento do sistema, como quase todos os geniais, criou uma marca chamada Anti-Fashion. Quando a marca se tornou fashion, resolveu abandoná-la e criou a Necrose Social. Fui seu técnico por um período e vi coisas incríveis por parte dos seus fãs. Caras que pintavam o nome Necrose em suas camisas, que tiravam fotos com máquinas descartáveis na beira do mar, pessoas querendo tocar nele e por aí vai. Seu carisma era maior do que o da maioria. Enquanto todos usavam bermudas curtas e coloridas, ele usava bermudas longas e escuras. Seu estilo era próprio e rebelde. Foi referência para as gerações futuras. Peterson Rosa e Binho Nunes sempre falam abertamente sobre a admiração que eles sentem por Dadá e sobre a influência que ele teve em suas carreiras. Na minha opinião, ele foi o Garrincha do surf brasileiro. Não vi nada parecido com ele, no Brasil, em meus 36 anos de surf. Infelizmente, sua relação com as drogas foi semelhante às de Jay e Archy, que chegaram ao fundo do poço. Os três conseguiram superar a fase ruim e seguiram adiante. Posso afirmar que Dadá foi o maior ídolo do surf nacional nos anos 80.

 

Dadá Figueiredo foi um dos maiores ídolos do surf brasileiro. Foto : Alberto Sodré

Dadá Figueiredo foi um dos maiores ídolos do surf brasileiro. Foto : Alberto Sodré

 

Algumas gerações após a de Dadá, apareceu Neco Padaratz. Este entrou bem cedo no mundo das competições, levado por seu irmão mais velho, Teco Padaratz. Com um jeito simpático de garoto feliz, seu surf moleque já mostrava força. Todos o apontavam como um possível campeão mundial, o primeiro brasileiro. Usava muita força nas manobras, com clara influência de Martin Potter. Entrou no WCT desejando se unir ao grupo daqueles que tinham ambições maiores do que figurar como simples coadjuvantes nos torneios da ASP. Sua forma de agir era um pouco rebelde. Não gostava de dar entrevistas durante as competições e fugia da praia como se estivesse sendo linchado. Uma pessoa dócil, mas com uma forma própria de agir. Carismático ao extremo, sempre foi adorado por seus companheiros de circuito. É outro surfista que tem uma legião de fãs dentro e fora das competições. Muitos diziam que ele era muito focado, mas, na minha opinião, ele não estava preparado para ser igual aos outros competidores. Havia algo de artista e de moleque na sua essência, disciplina e organização nunca foram seus traços fortes. Mesmo assim, seu lado competitivo o levou aos lugares mais altos do pódio por diversas vezes. Foi um vencedor nato.

Neco Padaratz foi um dos adeptos do power surf. Foto: Aleko

Neco Padaratz foi um dos adeptos do power surf. Foto: Aleko

Vejo nesses nomes citados algo contrário à mesmice. De uma forma ou outra, foram atletas que elevaram o patamar de suas modalidades com suas performances, estilos, atitudes e pensamentos. Pessoas que conquistaram fãs por seus carismas e por suas inovações . Serão sempre lembrados pela história de seus esportes. Uma vanguarda revolucionária.