M de Monstro

Por Henrique Tupper

A vitória do Gabriel Medina na etapa mais emocionante do WCT da ASP confirmou para todos os analistas e críticos de surf a competência e a maestria do menino prodígio brasileiro. Todos os analistas de surf não tem mais dúvidas de que o brasileiro chegou para disputar não apenas o título desse ano, mas daqui por diante, o título de campeão mundial todo ano. Lógico que depende de vários fatores, mas a grande questão de hoje é como parar o Medina em qualquer tipo de onda. E, o mais bizarro é que o pior resultado dele até o momento foi na etapa brasileira. A que teoricamente ele teria maiores condições para vencer.

A etapa de Teahupoo é sem dúvida a etapa que eu mais gosto de assistir: seja tanto pelo grau de dificuldade, como pela a beleza plástica das ondas. A verdade é que essa etapa é um verdadeiro teste de sintonia entre o surfista, a prancha e a onda. Qualquer vacilo pode ser literalmente fatal. Na minha opinião, o competidor mais perfeito da etapa foi o Gabriel Medina (GM). No entanto, o título de melhor surfista deveria ser concedidor ao John John Florence (JJF) e ao Kelly Slater (KS), ambos empatados. Explico: foram os que mais me empolgaram, os que mais se jogaram, os que mais se arriscaram e os que mais pontuaram. JJF, pra mim, foi um dedinho mindinho superior no quesito “go for it”. Mas sem dúvida, KS deu uma aula atrás da outra.

Se compararmos a pontuação final das baterias de cada fase do Medina com os dois que mais surpreenderam durante todo o evento vamos observar uma estatística interessante:
Em um confronto direto, o Medina perderia para ambos, em todas as fases, exceto na final, é claro. Nas quartas de final e na semi uma curiosidade a mais: a maior nota de Medina, dentre as duas que somam a pontuação final da bateria, era menor que a menor nota do computo geral de JJF e KS em suas respectivas fases. Isso mostra que, enquanto o KS e JJF davam shows, fazendo em algumas baterias três a quatro notas acima de 9, Medina, além de surfar magistralmente, apresentou um balanço entre o surf/tático/psicológico exemplar diante de cada oponente. Em outras palavras, isso significa que ele se apresentou de modo suficiente para ganhar cada uma de suas baterias, sem se arriscar muito, nem pouco.

Medina totalmente tranquilo nos tubos de Teahupoo. Foto : ASP/Kirstin

Medina totalmente tranquilo nos tubos de Teahupoo. Foto : ASP/Kirstin

Claramente a estratégia do Medina durante toda a etapa era surfar as ondas mais medianas (se é que existiam medianas) e fazer um tubo mais longo. Enquanto, JJF e KS simplesmente surfavam as maiores cracas que apareciam e não se intimidavam de backside perto do foamball.A estratégia do Medina deu tão certo que das quartas para frente, com mais confiança, ele aumentou as suas médias de pontuação final em suas baterias seguintes.Vale destacar o jogo tático nas Quartas de final feito pelo Medina na bateria entre ele e Kolohe Andino: a disputa intensa entre ele e Andino para pegar a primeira onda, um empurrando o outro para dentro da bancada, foi perfeita. Imagino que se o Medina, de front side, pegasse uma onda tão dentro da bancada já ia ser difícil passar a onda. Para o Andino, de backside,  seria muito mais que difícil. Seria a morte. O jogo de paciência e persistência fez com que a 1ª onda fosse surfada por Medina somente após 16′ 40” da bateria iniciada. Com duas ondas medianas, antes de Kohole pegar a sua primeira onda, Medina dominou o resto da bateria até vencê-la no final.
 
Toda a bagagem absorvida durante o evento deu notoriamente mais confiança ao Medina. A final foi a bateria que o Medina, na minha opinião, surfou as maiores ondas. Pode não ter ficado tão deep como nas ondas surfadas nas fases anteriores, mas foi a bateria em que ele pegou as maiores cracas,E sem dúvida ele dominou a bateria do início ao fim: quando o Medina tirou a sua maior nota na bateria (9,53), ele já somava de pontuação 18,50 e o KS míseros 2,17 – ainda não havia sido anunciada a nota de sua segunda onda (9,63). Definitivamente “He’s not scared” como Potter disse ao vivo e, mais do que isso, ele estava muito a vontade. Talvez seja por isso que, na minha opinião, Medina taticamente não tenha sido perfeito na final. Ele ganhou porque surfou muito mesmo diante do mito. No entanto, taticamente, ele pecou duas vezes:

1) Quando faltando 10 minutos para acabar a bateria, ele com a prioridade e pressionado pelo KS pegou uma onda muito dentro da bancada e foi atropelado pela foam ball. Em seguida, KS pegou a onda logo de trás, mas pontuou apenas 8,97 e não conseguiu virar. Mal posicionado, Medina não deveria ter pego a onda. Perdeu a prancha e muito tempo até retornar ao line up. Ter deixado a fera solta naquele momento poderia ter lhe custado o campeonato.

2)  Depois de uma queda em uma que poderia ter rendido um 10 a KS, se ele saísse do tubo, Medina obtém a prioridade. Faltando 26 segundos para acabar a bateria, Medina não marca a onda que o KS rema e deixa a fera fazer a última onda da bateria. KS faz uma excelente onda e marca 9,30. Precisava pontuar 9,33 para virar a bateria.

Eu não consigo avaliar se a nota do KS valia 0,03 a mais ou a menos. Sinceramente, acho que não valia 9,30 – mas sou brasileiro e realmente torço para o Medina. De qualquer forma, na semi final KS e JJF fizeram a bateria mais emocionante que já vi na minha vida. O Alexandre Guaraná destacou aqui em sua resenha a emoção que foi essa bateria. E na última onda, JJF precisava marcar 9,88 e pontuou apenas 9,87. Por arredondamento matemático da média das notas de 3 juízes JJF nunca poderia ter feito 9,88. Mas por uma coincidência poderia fazer 9,87 e ser penalizado por uma derrota no ultimo segundo por 0,01. Isso sim é uma conspiração do destino que Gabriel Medina vingou JJF, na mesma moeda, na bateria seguinte.De qualquer forma, os pecados cometidos por Medina poderiam ter mudado o resultado. Mas a sorte e o destino sorriram ao melhor surfista da final: Medina sagrou-se campeão.

Por fim vale comentar que nunca vi o KS tão nervoso em uma bateria como nessa diante do Medina. Caiu duas vezes, puxou o bico, se posicionou errado e por fim fez a sua pior média desde o início do campeonato (excetuando-se a média de pontuação da 1ª rodada). Eu já ouvi muito que competir contra o KS é muito difícil por ele ter uma força psicológica dentro da bateria descomunal. Vendo o comportamento do Medina durante todo o campeonato e, em particular, na final contra KS, acho que o Medina marcou mais um ponto em sua corrida para o título mundial. Ele, de fato, é um monstro.

Parabéns Medina.

Medina mostrou tranquilidade antes das baterias. Foto: ASP/Kirstin

Medina mostrou tranquilidade antes das baterias. Foto: ASP/Kirstin

 
 

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