A grande lição do menino havaiano

A primeira vez que vi John John Florence foi em 2000. Eu estava numa casa alugada pela revista Fluir, em frente a Off The Wall (que para quem não sabe, é colado ao Backdoor) e pela varanda dava pra ter uma visão incrível de Pipeline e arredores. Era bem cedo, o mar tava qualhado de bodyboarders disputando as cracas de 8 a 10 pés que quebravam na bancada mais famosa do planeta.

Nesta maravilhosa varanda, tinha um grande binóculo de guerra, que ficava preso numa haste possibilitando dar um close mais de perto na galera surfando. E foi numa destas olhadas que notei um cotoco de gente, de cabeca amarelo ovo, com uma prancha rosa e roupa de borracha, no inside de Pipe, tentando dropar o que sobrasse.

Já tinha visto fotos e imagens do filho mais velho da família Florence, capitaneada pela supermãe Alexandra, que criou John John e seus dois irmãos Nathan e Ivan, sem a ajuda do pai, John. Fiquei tão impressionado, que desci a escada e fui pelas sagradas areias do North Shore ver de perto aquela bizarrice.

Ele estava com 8 anos e sua intimidade com aquelas condições me deixou estupefato. Ele não parecia ter medo, aquilo era seu playground. Me lembro que depois, no almoço, virei para o fotógrafo Sebastian Rojas e comentei: “esse garoto vai ser um dos melhores surfistas do mundo certo!” Pois neste 25 de outubro, 16 anos depois, JJF sagra-se o quarto campeão mundial de origem havaiana.

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Ando lendo muito besteira pelas redes sociais, a maioria de gente que não tem a menor idéia do que seja o Circuito Mundial de verdade. Inclusive de jornalistas ufanistas, que tendem a aumentar as diversas fantasias e lendas urbanas, desmerecendo qualquer outro surfista que não seja brasileiro. A que ponto chegamos! Nós, que sempre criticamos os estrangeiros pela empáfia, agora não aceitamos nada menor do que o número 1.

Esquecem que o primeiro título mundial de Gabriel Medina teve uma vitória contestada no mundo inteiro, exceto é claro aqui, quando derrotou Joel Parkinson numa final pra lá de duvidosa na abertura do Tour, em 2014, pontos que acabaram lhe dando o caneco. Esquecem que ano passado em Pipe, na semifinal contra Mick Fanning, este disputando cabeça a cabeça o título com Adriano de Souza, ele recebeu uma nota extremamente alta para as condicões (seis e alguma coisa) depois de dar um aéreo comum e não conseguir aterrisar com perfeição, ficando um bom tempo deitado na espuma e surgindo com sua famosa comemoração, pedindo nota para os juízes. Fanning perdeu injustamente, no meu modo de ver, e teve alijada a chance de disputar com Adriano a coroa do surf profissional.

Sempre ocorreram erros no julgamento. E para todos. Slater, Irons, Occy, Curren, Potter, Carroll alguns dos maiores, já foram ajudados ou prejudicados em certo momento. Pelo simples fato de que nunca conseguiram adotar um critério consistente em torno das notas. Talvez porque cada um tenha sua própria opinião. Talvez porque as pessoas não sejam competentes. Talvez porque o head judge seja fraco. Mas nunca porque os resultados são manipulados. Acompanho o Circuito Mundial desde 1982, quando vi pela primeira vez o Waimea 5000 no Arpoador. Desde então criei uma paixão e após viajar por boa parte do mundo assitindo os Top, posso dizer que erros acontecem, mas escolher um campeão é forçar a barra nas desculpas.

Sou brasileiro mas não sou fanático. Sou um jornalista especializado sério e imparcial. Gosto da qualidade, não importa de que país, cor, língua ou idade. Sempre preferi o talento, seja de quem for. O importante para mim é a qualidade e caráter. Vencer a qualquer custo não consta no meu rol de afinidades. Gabriel Medina foi prejudicado em Trestles sim, mas vacilou onde sempre foi bem, na Europa. E este papo de que ficou desconcentrado depois da “roubada” não cola. Um campeão mundial tem que ter mente de ferro e o paulista já mostrou isso uma centena de vezes desde que apareceu devastando seus ídolos com seu surf altamente competitivo e suas performances aterradoras. Apenas não era a sua hora novamente.

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Por isso, ao ler diversos “torcedores” dizerem que John John Florence tem um título manchado, me faz pensar na lição de humildade que este garoto nos dá diariamente. Sem pai presente, educadíssimo, sustentando sua família desde muito pequeno, sempre tratou as pessoas de forma igual, tendo inclusive entre seus melhores amigos um brasileiro (Kiron Jabour). Com contratos milionários desde cedo, poderia ter a empáfia de Slater e Irons, mas não, sempre está sorrindo e sendo amável. Surfa qualquer coisa e querendo ou não é o cara mais completo da atualidade, não por ser havaiano, mas sim por ser abençoado com o dom de surfar.

Dois brasileiros conseguiram títulos mundiais porque suas gerações foram humildes em aprender a surfar ondas de verdade, formando atletas fora das drogas, tendo seus pais, “padrinhos” e padrastos os guiando ao topo do mundo, mostrando que o Brasil já tem uma geração de filhos de surfistas. Se quisermos o respeito de todos, precisamos aprender a respeitar. Gabriel, Felipe, Adriano e também Jordy, Wilko, Julian, Kelly, enfim, todos eles tiveram suas chances e falharam. Florence venceu antecipado, com direito a uma supremacia em ondas pesadas e difíceis que o colocaram em outro nível, daí a facilidade na conquista.

Temos de aplaudir este magnífico garoto, que perguntado se achava-se o melhor surfista do mundo, disse, com toda sua cara tímida: “que não se achava o melhor, que era apenas mais um surfista diferente, assim como os outros companheiros de Tour.” Tenho absoluta certeza de que falou de coração. Ano que vem, todos terão nova chance, mas agora, é tempo de aplaudir este jovem fenômeno, que não precisa de ajuda de ninguém para fazer o que faz desde pequenino: nos encantar com sua magia e alma pura de um apaixonado pelo mar. Parabéns John John!

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