Cauli Rodrigues um nome a ser reverenciado

O surf profissional no Brasil tem seus primeiros passos na década de 70, mas foi nos anos 80 que a coisa engrenou de vez. As associações se multiplicaram entre 84 e 87, e o plano cruzado, criado em 86, impulsionou o surf  brasileiro de uma forma avassaladora. Foi uma época de grandes eventos, patrocinados pelas marcas emergentes do surf nacional. Tivemos a criação dos circuitos brasileiros profissional e amador, comandos pela ABRASP E ABRASA respectivamente. Um momento muito importante para a história do surf nacional.

Comecei a surfar em 78 e já admirava o esporte antes de praticar. Gostava de andar de skate e sonhava em ter uma prancha. Tentava aprender em prancha emprestada, mas isso era uma situação meio complicada. Esperava ansiosamente pelas edições da Brasil Surf, melhor revista de surf da época. Tudo parecia meio mágico e as fotos me fascinavam e inspiravam a tentar entrar para o exército do surf, afinal eu era jovem.  Conseguir o meu objectivo foi uma vitória, pois meu pai era militar e a imagem dos surfistas não combinavam com o gosto da sociedade em momento de ditadura. O exército, que não era o do meu pai, era taxado como um grupo de vagabundos, drogrados e rebeldes. Ainda bem que meu pai é um cara culto, que estudou no colégio Santo Inácio antes de entrar para a carreira militar. Tinha um pensamento mais aberto que a maioria de seus companheiros de profissão.

Quando ganhei minha primeira prancha, uma Giló amarela, já estava totalmente imerso neste novo mundo. As fotos da Brasil Surf mostravam os grandes nomes do surf mundial e nacional. Os caras eram verdadeiros ídolos para a garotada da minha geração iniciante. Pepê, Valdir Vargas, Daniel Friedman Cauli Rodrigues, Rico de Souza, Roberto Valério, Ianzinho, Felipe Castejá, André Pitzalis, Renan Pitangui, Maraca, Otávio e Fábio Pacheco, Ricardo Bocão,Betão, Fedoca e muitos outros, eram presença constante nas páginas da BS. Dos nomes internacionais Gerry Lopes, Reno Abelira, Shaun Thomson, Mark Richards, Wayne Rabbit Bartholomeu, Rory Russel e Dane Kealora também tinham seu lugar cativo. Eram meus grandes heróis. Não me preocupava em saber quem era o melhor. Todos que apareciam eram idolatrados por mim, um garoto de 13 anos. Com alguns anos de surf passei a admirar o cara que via ao vivo nas ondas do Arpoador e do Posto 5 de Copacabana, Cauli Rodrigues.

Cauli tinha espaço garantido nas capas das revistas. Foto : Nilton Barbosa

Cauli tinha espaço garantido nas capas das revistas. Foto : Nilton Barbosa

Posso dizer que foi o primeiro surfista que consegui identificar como profissional do esporte. Um vencedor nato, que se portava de maneira diferenciada. Seu surf ataque de backside impressionava não só a mim, como a todos da nossa comunidade. Tinha o patrocínio do Jornal do Brasil e dava bastante destaque ao seu patrocinador. Com o crescimento do mercado surfwear foi contratado pela loja Armação para representar sua marca.  Foi campeão do primeiro circuito carioca da OSP ( Organização dos Surfistas Profissionais) que tinha uma nova geração de surfistas com grande força no cenário nacional. Rodolfo Lima, Marcelo Boscoli,Marcus Brasa, Renato Phebo, Cesar Baltazar, Fred Dorey, Dadá Figueiredo, Rodrigo Osborne, Pedro Muller eram destaques nas competições . Com certeza Cauli foi inspiração e referência para muitos destes citados. Foi um dos primeiros a ter um quiver de prancha completo para as competições, coisa não muito normal naquele momento. Enquanto a maioria competia de biquilha e triquilha, ele ainda tinha monoquilha no seu quiver, o que nunca o impediu de explodir o lip da mesma forma, ou melhor que os outros  Fora isso, treinava muito sério, como poucos. Levava sua carreira com muito afinco, com muito foco.

A competitividade foi uma das armas de Cauli para levantar tantos troféus.

A competitividade foi uma das armas de Cauli para levantar tantos troféus.

Sua ida para Austrália, onde disputou os eventos da IPS junto com Daniel Friedman, serviu para ele ver que estava no mesmo nível dos melhores do planeta. Passou as triagens e só não foi mais longe porque o julgamento australiano tinha uma certa política de proteção aos seus atletas. Cauli foi um dos maiores críticos do julgamento que ainda engatinhava. Sua personalidade forte e o conhecimento total das regras o faziam questionar alguns critérios adotados pelos juízes. Tinha total compreensão do que se passava no desenvolvimento do esporte e questionava o que não estava correto.

O ataque de backside era sua marca registrada. Foto: Fedoca

O ataque de backside era sua marca registrada. Foto: Fedoca

Sua força competitiva seguiu até o fim dos anos 80, quando a idade começou a pesar e as mudanças de guarda estavam ocorrendo em velocidades constantes. A coluna foi atrapalhando sua performance e uma hérnia de disco o tirou por um tempo do que mais amava. Hoje ainda encontro com ele no line up do Arpoador e minha admiração continua forte. Na minha modesta  opinião, ele foi um dos melhores do Brasil de todos os tempos. Não falo só pela competitividade, mas pela forma como surfava. Se tivéssemos a cultura de exaltar nossos ídolos, como os americanos e australianos fazem, Cauli Rodrigues teria outra notoriedade para as novas gerações.  Seria visto como deveria, um mestre da arte de surfar.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *