Eraldo, o guerreiro

Minha família é do sul e do nordeste. Minha mãe é gaúcha de Santana do Livramento e meu pai pernambucano de Timbaúba. O dois foram criados no Rio de Janeiro e a vida conspirou para seguirem juntos até hoje.

Meu pai era militar do exército e gostava muito de visitar seus parentes quando tinha oportunidade. Admirador de sua terra natal, conseguiu algumas transferências para Recife, onde passei grande parte da minha vida.

Foram anos maravilhosos. Surfava em Boa Viagem sem ataques de tubarão, acampava em Itapuama e Gaibú com os amigos e seguia de vez em quando para Maracaípe e Cupe, o filé mignon da época (depois descobriram alguns fundos de pedra, mas isso deixa pra lá).

Existia uma rivalidade amistosa entre os surfistas dos bairros de Recife, que partiam em busca das ondas fora da cidade, e a galera de Piedade, Boa Viagem, Olinda, Casa Forte e de outras localidades, que se encontravam nos picos ou nas escassas competições que rolavam em PE. Todos loucos para arrepiar com suas pranchas preferidas: Arrecifes, Magia, Realce, Universo, Corais, Argo e outras que nem lembro.

Fazia parte da turma da cidade, que englobava Espinheiro, Casa Forte, Madalena, Derby e adjacências. Os colégios da região nos aproximava ainda mais para marcar o surf do fim de semana. Saíamos para as praias em busca de surf e diversão. Podia ser de carro, trem ou ônibus. O importante era contar as aventuras segunda na escola.

Os melhores surfistas da época normalmente eram os que moravam em Boa Viagem, Piedade e Candeias. Todos estavam bem perto da praia e treinavam nas marolas da cidade.

Eraldo Gueiros era da turma de Piedade e confesso que não era o cara que eu mais gostava de ver surfando. Achava Cláudio Marroquim, Paulinho Porrete e Zezito Barbosa os surfistas que mais arrepiavam.

Mas Eraldo sábia o que queria e investiu em pranchas e viagens que o tornaram o melhor da nossa geração. Depois de sua mudança para a Califórnia, passando uma boa temporada no Hawaii, ele voltou com status de grande nome do surf brasileiro. Roberto Valério, lendário empresário e surfista, o convidou para ser atleta de sua marca Cyclone, apostando na capacidade de surf do Eraldo em qualquer tamanho de onda.

Eraldo Gueiros em Jaws, uma das ondas mais perigosas do mundo. Foto: www.multisolution.art.br

Eraldo Gueiros em Jaws, uma das ondas mais perigosas do mundo. Foto: www.multisolution.art.br

Veio morar no Rio em 88 na busca de um centro mais desenvolvido para seguir sua carreira de surfista profissional. Seu apartamento ficava na frente do quebra mar da Barra da Tijuca, local de localismo mas de boas ondas.

No Sundek Classic 86, em Ubatuba, posso afirmar que ele era o cara que mais impressionou nos dias grandes e poderia ter ido mais longe se tivesse acreditado que venceria. Ficou com a quinta colocação. Picuruta Salazar, um dos maiores vencedores do surf brasileiro, levou o caneco.

No ano seguinte terminou na décima colocação do recém fundado Circuito Brasileiro de Surf profissional, promovido pela ABRASP. Neste momento, ele tinha ao seu lado o grande parceiro de carreira, o conterrâneo Carlos Burle, que como ele adorava ondas grandes.

Carlinhos, como era chamado, tinha em Eraldo o grande ídolo. Este por sua vez, passou todo o seu conhecimento havaiano para o pupilo, deixando que Burle ficasse em sua casa, treinando constantemente com ele.

Eraldo Gueiros e Carlos Burle fizeram história dropando as maiores ondas do planeta. Foto: Globo.com

Eraldo Gueiros e Carlos Burle fizeram história dropando as maiores ondas do planeta. Foto: Globo.com

Os dois seguiram anos a fio entre os Top do Brasil e tentaram a sorte em etapas do Circuito Mundial mundo afora. Eram os grandes nomes de Pernambuco ao redor do planeta.

A coragem dos dois era comentada por quem voltava das ilhas havaianas.

Algum tempo depois, o jet ski foi incorporado ao surf de ondas grandes e a dupla logo se destacou com o novo brinquedinho. Conseguiram feitos históricos. Eraldo pegou um tubo profundo em Jaws, com direito a capa de jornal local. Burle foi protagonista inúmeras vezes em situações extremas.Os dois se completavam. No primeiro evento de ondas grandes, em Jaws, ficaram com a terceira colocação.

Capa do Jornal de Maui Foto : Carol Oliva

Capa do Jornal de Maui Foto : Carol Oliva

Eraldo foi influência para muitas gerações de Pernambuco. Um guerreiro que puxou o nível do surf do estado para outro patamar.

 

Eraldo impressiona pela coragem Foto: Arquivo

Eraldo impressiona pela coragem Foto: Arquivo

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